segunda-feira, janeiro 10, 2005

Adrian Mole



A observação da desgraça alheia é um entretenimento comummente explorado por certas camadas da população portuguesa. Esta modalidade consiste em duas vertentes fundamentais, que englobam toda uma panóplia de actividades lúdicas do mais alto nível.
A primeira colecção de situações, normalmente oculta ou disfarçada (praticada em momentos de solidão), adopta uma postura divertida e satisfeita com a má sorte dos concidadãos. Aqueles dias chuvosos em que ficamos à janela a ver o ar miserável dos transeuntes, batalhando desesperadamente contra a chuva lateral (auxiliada por poderosos ventos), enquanto bebemos um chá morno ao lado do aquecedor vestidos com uma quente camisola de lã. Todas as vezes em que abrandamos ao lado das paragens de autocarro, de sorriso discreto nos lábios, relembrando o mal-estar insuportável sentido nos transportes públicos. Ainda o gozo insuperável que sentimos ao ver uma pessoa no final de uma fila enorme para comprar bolo-rei na véspera do Natal, relaxados no ócio da vida de café.
Há também uma segunda opção, mostrada mais abertamente por ser menos criticada, que consiste numa posição de pena (falsa ou real) quando vemos o infortúnio de totais desconhecidos. Aparentemente seria uma situação mais legítima, mas esconde um lado macabro absolutamente desprezível que nos leva a parar para ver acidentes, comentar e olhar fixamente para qualquer criança com deficiências físicas pronunciadas e consumir avidamente as notícias de tragédias pessoais que teimam em entrar nos telejornais da TVI (e que mais recentemente se têm vindo a propagar para estações mais respeitadas).
Porquê esta insistência na procura de situações negativas para os demais? Talvez tenha um pouco a ver com o cariz comparativo da felicidade. A medida da felicidade é absolutamente relativa, passando por um aspecto evolutivo (se mudarmos do excelente para o muito bom ficamos certamente infelizes com isso) e pela comparação com a situação dos outros. Isto faz com que a procura de miséria alheia nos traga pensamentos de "afinal até estou bastante bem...", que são companheiros inseparáveis do bem-estar espiritual.
Não deixa de ser uma atitude deplorável da sociedade moderna que me esforçarei por eliminar.

8 Comments:

At 9:31 da tarde, Blogger lique said...

Agradeço-te a tua visita e comentário no meu blog.
Pelo que aqui li, vejo que pensas sobre os assuntos e estruturas bastante bem os teus raciocínios. Este post dá conta de certos comportamentos que não sei se são só dos portugueses mas que certamente são deploráveis. Daí até conseguir eliminá-los, vai um passo de gigante! Um abraço.

 
At 7:15 da tarde, Anonymous Anónimo said...

boa luis

 
At 2:15 da tarde, Blogger AnaP said...

E já reparaste que quando nos dizem "olha, fulaninho de tal até está pior do que tu porque tem isto, aquilo e aqueloutro", nós dizemos, como para nos desculparmos, "com o mal dos outros posso eu bem!"... Se calhar é a verdade... com o mal dos outros podemos nós bem!... Beijinhos!

 
At 4:46 da tarde, Blogger Å®t Øf £övë said...

Passei para deixar um OLÁ.

 
At 2:37 da manhã, Blogger Euzinha said...

Adorei seu blog...valeu pelo comentário...
Bjo

 
At 12:18 da manhã, Blogger Conceição Paulino said...

AHHhhh, aqui deploras o k acima elogiaste. Sáõ níveis diferesntes de perversidade, bem sei. Mas queres erradicar essse aspecto. Pessoalmente devo tê-lo em % ínfima porque nunca fui capaz de ver aquelas cenas de vídeos caseiros k passavam na TV e em k normalmente só aconteciam desgraças aos pobres filmados. Detestável Pelo menos desse voyeurismo e prazer secreto não sofro.

 
At 1:08 da manhã, Blogger Luís Almeida Fernandes said...

Eu felizmente só exploro a primeira vertente, nunca procuro ver infelicidade para sentir pena. Acho honestamente mais saudável assim.
Dá-me um gozo tremendo estar à janela em dias de chuva. É uma daquelas maldades que não fazem mal a ninguém...

Esses vídeos caseiros de que falas têm um tipo de humor básico e ofensivo. Sinceramente acho que não conheço ninguém que os veja com gosto...

 
At 3:54 da tarde, Blogger Miriam Luz said...

"A medida da felicidade é absolutamente relativa"
Concordo. Não digo que a infelicidade dos outros seja um tónico para a nossa própria infelicidade, mas realmente existe uma tendência de comparação que muitas vezes nos favorece, no sentido em que descortina sempre uma infelicidade maior (quantificar infelicidade... enfim.)
Por outro lado o célebre "com o mal dos outros posso eu bem" não me parece muito humano.
Há que encontrar um equilíbrio entre a avidez de desgraça e a indiferença.

(Gostei imenso do teu blog: leve, mas incisivo)

Um beijinho,
Litostive*

 

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