segunda-feira, janeiro 24, 2005

Meet Joe Black



Todos vamos morrer um dia, e isso dá-me uma certa satisfação. Aprecio o final da minha vida em toda a dimensão das suas características, embora não tenha qualquer desejo de o apressar.
A fluidez, o dinamismo constante da génese humana e universal concede a cada um de nós um papel de escassos segundos na escrita errónea da evolução, permitindo-nos valorizar a nossa existência como algo que não é e nunca será: importante. Tudo o que somos é um acaso probabilístico sem causa nem consequência, uma gota de matéria que estranhamente saltou do mar imenso e conseguiu olhar lá para baixo (as que não estão ofuscadas por uma atroz ignorância), apenas para novamente cair e divergir nas águas revoltas perdendo a sua identidade.
Olhar para o Mundo como uma história imensa da qual fazemos parte, tanto como qualquer pedra ou árvore, em vez de o vermos apenas como o palco da nossa historieta miserável traz invariavelmente alegria superior e paz de espírito. Dá-nos o desejo de voltar a cair! Vamos esquecer as ilusórias visões teológicas de deuses e demónios que nos ofuscam as ideias. Vamos deixar para trás a postura antropocêntrica de narcisismo injustificável. Olhemos o Mundo, as coisas, os átomos e os mistérios físico-químicos! São eles a regra primordial e o milagre divino... Somos nós.
Não me preocupa o momento da morte física. Preocupa-me, isso sim, o recente momento da minha morte sentimental. Porque, apesar de não ter qualquer significado, gostava de saborear os instantes da minha existência.

sexta-feira, janeiro 21, 2005

Mad about you



Ainda a três passos da porta de casa cheirou-me ao champô de pêssego que usas no banho. Esse primeiro contacto com o ninho chegou para colocar em segundo, terceiro, décimo plano todos os problemas que me afligem quando estou fora de casa.
Quando entrei, vi-te sentada com uma camisola larga e calças de pijama, encostada ao apoio do sofá numa posição infantil de quem espera companhia. A cadelinha levantou-se, ainda com cara ensonada, e chicoteou-me simpaticamente com a cauda, em jeito de boas vindas. Beijei-te e sentei-me ao teu lado, o simples contacto com a tua pele suave e familiar trouxe-me uma felicidade mais essencial, mais simples que todas banalidades profissionais. Toda a minha vida não passa de um suporte estrutural para poder ter os momentos de solidão contigo, e tu és o suporte emocional que me levanta para o resto da minha vida. Sem ti algo desabaria. Tudo desabaria.
O outrora escuro futuro não tem surpresas para mim. Iluminaste a minha vida com a tua presença e sei que nunca vais sair do meu lado.

sexta-feira, janeiro 14, 2005

The Sopranos



Ser mau dá estilo. Sempre que nos colocamos dentro da cabeça de uma pessoa equilibrada (sem patologias psicológicas) mas desligada dos princípios morais generalizados socialmente sentimos uma atracção misteriosa. Por vezes surge como admiração, outras vezes como respeito temeroso, mas o facto é que está sempre lá aquele bichinho nervoso da inveja.
A própria arte cinematográfica tornou o ladrão cool. Os heróis convencionais raramente se apresentam com a mesma capacidade apelativa dos vilões protagonistas. A capacidade de contornar as leis que a sociedade dos outros criou para nos reger será sempre fascinante aos olhos das ovelhas bem-comportadas... Vemos no ladrão ou no assassino uma pessoa instintiva e autocrata, pura no verdadeiro sentido da palavra, e todas as nossas restrições pessoais tomam a sua real dimensão e tornam-se assustadoras.
Somos todos violentos ladrões em potência, não há como negá-lo.

1- Face a este aparente problema surge uma solução evidente: libertar os instintos malévolos e dar asas à criatividade criminosa! Fazer do errado uma arte... Se te apetece fazê-lo e sabes fazê-lo bem (sem ser apanhado, entenda-se), então porque não?! Porque outros decidiram ser errado? Trata cada acção de maldade instintiva como uma pincelada na tua tela vermelha e solta toda a tua raiva no mundo!

2- No entanto, devemos compreender que a capacidade de controlar esses impulsos primários é algo de enaltecer. Se aceitarmos as normas gerais como algo por que pessoalmente optaríamos, o acto de quebrá-las perderá metade da sua razão. O fascínio pelo crime é saudável, mas apenas se for sentido conscientemente.

1 ou 2? Ainda não tenho a certeza.

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Adrian Mole



A observação da desgraça alheia é um entretenimento comummente explorado por certas camadas da população portuguesa. Esta modalidade consiste em duas vertentes fundamentais, que englobam toda uma panóplia de actividades lúdicas do mais alto nível.
A primeira colecção de situações, normalmente oculta ou disfarçada (praticada em momentos de solidão), adopta uma postura divertida e satisfeita com a má sorte dos concidadãos. Aqueles dias chuvosos em que ficamos à janela a ver o ar miserável dos transeuntes, batalhando desesperadamente contra a chuva lateral (auxiliada por poderosos ventos), enquanto bebemos um chá morno ao lado do aquecedor vestidos com uma quente camisola de lã. Todas as vezes em que abrandamos ao lado das paragens de autocarro, de sorriso discreto nos lábios, relembrando o mal-estar insuportável sentido nos transportes públicos. Ainda o gozo insuperável que sentimos ao ver uma pessoa no final de uma fila enorme para comprar bolo-rei na véspera do Natal, relaxados no ócio da vida de café.
Há também uma segunda opção, mostrada mais abertamente por ser menos criticada, que consiste numa posição de pena (falsa ou real) quando vemos o infortúnio de totais desconhecidos. Aparentemente seria uma situação mais legítima, mas esconde um lado macabro absolutamente desprezível que nos leva a parar para ver acidentes, comentar e olhar fixamente para qualquer criança com deficiências físicas pronunciadas e consumir avidamente as notícias de tragédias pessoais que teimam em entrar nos telejornais da TVI (e que mais recentemente se têm vindo a propagar para estações mais respeitadas).
Porquê esta insistência na procura de situações negativas para os demais? Talvez tenha um pouco a ver com o cariz comparativo da felicidade. A medida da felicidade é absolutamente relativa, passando por um aspecto evolutivo (se mudarmos do excelente para o muito bom ficamos certamente infelizes com isso) e pela comparação com a situação dos outros. Isto faz com que a procura de miséria alheia nos traga pensamentos de "afinal até estou bastante bem...", que são companheiros inseparáveis do bem-estar espiritual.
Não deixa de ser uma atitude deplorável da sociedade moderna que me esforçarei por eliminar.

domingo, janeiro 09, 2005

Lassie



A relação entre o homem e o cão começou perto do início histórico do sedentarismo, por uma questão de conveniência mútua. Esta relação simbiótica consistia, no que respeita a cedências humanas, na disponibilização dos restos alimentares para os rostos esfomeados caninos. Por seu lado, os cães auxiliavam os homens nas mais diversas tarefas, inicialmente restritas ao cariz proteccional mas entrando com o passar do tempo em áreas como a pastorícia. Até à actualidade, no entanto, esta relação quase profissional foi-se transformando numa amizade fortíssima, por vezes comparável às melhores amizades dentro da própria espécie.
A total dedicação de que estes animais são capazes para com o seu dono, transpondo a barreira instintiva da preservação própria, comove-nos de uma forma surpreendente e leva-nos a sentir um amor muito suis generis por aqueles que acabam mesmo por ser os melhores amigos do homem. Sempre que somos vítimas de traição, mentira ou abuso de confiança na sociedade humana olhamos para o nosso cão, para o seu olhar imerso em ternura e adoração, e sentimo-nos reconfortados por saber que temos ali alguém merecedor da nossa confiança e do nosso amor. Em cada lambidela suja e molhada está o reflexo de uma forma de altruísmo única, incomparável.
Desde criança sempre adorei animais, tendo pelos cães uma adoração inata que foi crescendo com o passar do tempo. Ver a morte ou o sofrimento de quaisquer seres humanos exibida em filmes televisivos quase não me causava reacção, mas a mera sugestão de sofrimento canino levava-me a um choro intenso e incontrolável; já nessa altura conhecia o fingimento humano e a honestidade canina.
Foi-me um dia dito por um sábio que conheço que "quem gosta de cães é sempre boa pessoa!". Subscrevo. Parece-me que gostar de cães significa saber as maravilhas de uma relação sincera e querer conhecer o procedimento para a conseguir. Significa sentir prazer no amor pelos outros. Significa ser puro, ou querer sê-lo.

sexta-feira, janeiro 07, 2005

Adeus, pai


Os maiores arrependimentos das pessoas em idade adulta estão relacionados com as atitudes relativamente aos progenitores, situações de raiva, indignação, ou pior que tudo indiferença.
A relação entre figuras paternas e crianças são sempre complicadas. No caso de se tratar de uma relação demasiado física entram em acção as barreiras masculinas que alertam para a estranheza de uma situação possivelmente amaricada, causando aqueles abraços bruscamente separados depois de um instante de união descomplexada. Por outro lado, se for uma relação puramente intelectual (a mais comum entre pai e filho), fica sempre no ar um cheirinho a afastamento que não deixa pressentir o amor que possivelmente paira por trás. Estes problemas logísticos deixam bem visíveis as dificuldades em conceptualizar a relação paterna ideal. No entanto, todos sabemos que existem situações bem piores que outras.
Para mim, a pior situação possível para o filho (exceptuando os casos extremos de violência doméstica) é a existência de um pai ausente que não educa, não ama, não sente, apenas se agarra ao título. Mesmo as situações de ausência total de figura paterna, por motivo de morte ou desaparecimento, não são tão arrasadoras para a criança, pois não a deixam com os sentimentos de inferioridade causados pelo desprezo de um pai conhecido e relativamente próximo. É violento crescer nestas condições.
Que pode o filho fazer para inverter esta situação? Naturalmente não será dele a iniciativa de levar o pai ao circo ou ao jardim zoológico, ou de puxar com ele as conversas que unem as almas! Resta-lhe limpar do rosto o sorriso triste de esperança acabada e levantar-se para viver a vida com a escassa autoconfiança que ainda lhe pertença, criando do nada o seu modelo de figura paterna e exorcizando constantemente os fantasmas do passado. E relembrar-se de que a culpa não é sua.
Ainda bem que já não sou criança.

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Taxi


Há muitos tipos de esquizofrenias temporárias que nos afectam regularmente em situações muito específicas... Quando o mundo que estamos a observar não nos agrada ou simplesmente nos aborrece tendemos a fazer umas modificações temporárias no sentido de o tornar mais apelativo, acabando por se tornar menos prejudicial para a nossa saúde mental (quantas vezes imaginei verdadeiros circos pornográficos em torno de salas de espera de hospitais...).
No entanto, algumas destas mudanças de personalidade e de forma de ver o que nos rodeia são muito difíceis de explicar, não passando de distúrbios perigosos que todos ganharíamos em eliminar. Um exemplo perfeito é a agressividade e competitividade que nos entra nas veias quando nos sentamos ao volante de um automóvel.
Nunca vi ninguém acelerar o passo para chegar à passadeira com o sinal verde ou para "comer por fora" um tipo qualquer com ténis especiais de corrida, mas no que toca à condução é um acontecimento diário. E não pensemos que os autores destas façanhas do desporto automóvel são pessoas mal-formadas ou com problemas psicológicos! São precisamente o simpático senhor da mercearia, o puto porreiro que vai à missa e o nosso médico de família, pessoas inofensivas que se tornam verdadeiros psicopatas quando se vêem ao volante! A entrada num carro transforma as pessoas, insere-as num mundo próprio em que os objectivos primários (mais ainda do que a sobrevivência) são a chegada no menor tempo possível e com o maior número de ultrapassagens.
E porquê esta alteração aparentemente injustificada? Não tenho certezas, mas claro que tenho uma teoria...
Vivemos num ambiente tremendamente castrador que nos obriga a controlar os instintos mais primários (como o sexual) ao longo de toda a vida, travando uma luta constante com a nossa própria genética, que vem preparada para a selva natural e não para a selva urbana. Há muito poucas formas de libertar esses impulsos primários e alcançar alguma paz de espírito e quando, como ao volante, vemos uma possível escapatória para os mesmos são vinte anos de contenção que se libertam num instante! Infelizmente, a única forma que vejo para contornar este problema é com mais uma dose de autocontrolo, o que é muito pouco apelativo...
É o que se ganha em construir uma sociedade limitadora e com pouco espaço para a exploração do indivíduo. É caso para dizer "Vou mas é kitar o bote e viva o racing!".

segunda-feira, janeiro 03, 2005

The color of money



Há na vida algum jogo mais divertido que o jogo da vida em si? Não, claro que não! Pergunta quase tão idiota como esta resposta a uma pergunta retórica... Mas se houvesse era o snooker.
Um misto de união amigável, conversação social, pontaria, destreza, treino e ambição, absorvente como nenhum outro, com todos os ingredientes para a grandeza no mundo do entretenimento ligeiro. Até porque a grande piada da vida é ser jogada a dinheiro!
A única coisa que falta a esta invenção magnífica é a capacidade de nunca aborrecer. Mas essa característica é exclusiva da vida e não é passível de imitações artificiais...
O jogo da vida, esse espero que nunca me farte. Pelo menos até o ganhar.

domingo, janeiro 02, 2005

American Pie



As escolhas de vida pesam-nos nos ombros como um fardo de dúvidas embaraçadas que definem quem podíamos ter sido. Em cada opção que temos de tomar hesitamos demoradamente e, se tivermos consciência definida, ponderamos com os princípios próprios, acabando por decidir. Vamos fechando cada vez mais portas e possibilidades até ao dia da nossa morte.
Irrita-me saber que já não vou ser jogador de futebol, astronauta ou condutor de fórmula 1. Irrita-me ainda mais pensar que daqui a dez anos vou saber que já não posso ser advogado, médico, psicólogo ou actor! A indefinição é uma benesse da infância que estou condenado a invejar.
Entre dúvidas e decisões, julgamo-nos sempre senhores de um qualquer género de moral irrefutável, um sentido do "certo" com que avaliamos incisivamente as acções alheias (e por vezes próprias): criticamos quem desiste, castigamos quem descansa e gozamos com quem falha.
"Devias ter continuado a estudar!", "Devias fumar menos droga...", "Achas que isso é maneira de falares com os teus pais?!?", "Se gostavas dela não devias fazer isso..."... Se a vida não é minha para que é que me ando a meter?!?! Cada um que faça o que quer! Uma coisa é aconselhar, outra coisa é criticar...
Tudo o que julgamos ser certo faz parte do paradigma em que fomos educados, não de uma qualquer legislação universal regente das evoluções humanas! Alguns dos princípios que nos foram impingidos nos anos de imaturidade fazem um sentido global que deve ser respeitado, pois assentam na necessária linha geral do "não faças aos outros o que não gostavas que te fizessem a ti!" (impressionante como do infantil sai o fundamental...). Todos os restantes motivos de crítica ou avaliação acerca das opções individuais são construções sem fundações que ao mais leve sopro argumentativo tendem a desabar... Isto quando não implodem por elas mesmas.
Aceitar a vida daqueles que me rodeiam como propriedade deles e por eles tratada, na qual não sou bem-vindo se tiver desejos de a modificar a meu bel-prazer, é algo que me parece alcançável. Pior é afrouxar a medida com a minha própria vida também... Espero vir a ter a capacidade de fechar os olhos para o que não fui e me concentrar exclusivamente em encontrar maravilhas naquilo que sou.